Trata-se de um comportamento autoinflingido, dirigido ao próprio indivíduo que provoca a lesão, sem intenção de morrer, mas que tem impacto pessoal, emocional e social principalmente na adolescência. A autolesão não suicida tem uma prevalência ao longo do vida em torno de 22% (pasme!) e pode ocorrer em qualquer etapa da vida, mas é mais comum entre adolescente e começando entre 11 e 13 anos, podendo perdurar por décadas até desaparecer. Também sabemos que pode ocorrer em ambos os sexos, mas é mais prevalente entre pessoas do sexo feminino. Cabe aqui o comentário que isso não é completamente explicado, mas provavelmente tenha relação com a mulher estar mais suscetíveis a todo tipo de violência e abandono sociais. Nesse sentido também vemos que esse comportamento se dá mais entre as minorias que estão sujeitas a risco aumentado a efeitos sobre a saúde mental, porque sofrem mais preconceito estrutural, estigmatização e baixo apoio social. Assim, dados demostram que as minorias de gênero e sexuais tem um risco três vezes maior de ter comportamento autolesivo do que heterossexuais e/ou cisgênero. No caso de transgênero, a autolesão é mais comum entre homens trans comparado a mulheres trans. Entre esses grupos de maior vulnerabilidade também preciso citar os negros e os grupos originários.
Os fatores de risco mais conhecidamente relacionados a ALNS são: abuso físico, psicológico ou sexual; uso de álcool e drogas; questões relacionadas a sexualidade; vulnerabilidade emocional ou social; dificuldade ou conflitos interpessoais ou familiares; dificuldade de se adaptar a alguma situação; impulsividade; rigidez de pensamento; pouca tolerância; relacionamento conflituoso com o próprio corpo; presença de algum transtorno psiquiátrico associado.
É difícil mesmo compreender porque algumas pessoas se cortam, mas a maioria das vezes ocorre porque elas não sabem ou não encontram outra maneira de lidar com um sentimento que tem. Não é incomum que um adolescente experimente esse comportamento por curiosidade e sigam fazendo isso quando encontram situações difíceis e complicadas. A maior parte deles dizem que "precisam sentir alguma coisa", mesmo que seja dor, ou então "que precisam diminuir a dor emocional", procurando gerar um outro estímulo. É imprescindível lembrar que isso não passa ileso e muitas vezes vem seguido de culpa.
No entanto, não são apenas aquelas pessoas que se autolesionam que sofrem. Os pais, os amigos, aqueles que estão mais próximos, padecem de extrema angústia. É comum ficarmos assustados e reativos quando não sabemos o que fazer e não compreendemos a situação. A prevenção e acompanhamento de autolesão não suicida está associada a diversos fatores de proteção: maior autoestima, suporte familiar, conexão social, resiliência, satisfação com a própria vida, entre outras coisas. Assim, são esses pontos que tentamos trabalhar para encontrar uma forma melhor de lidar com as dificuldades. Nossa responsabilidade com essas pessoas é guiá-las por um caminho em que encontrem mais acolhimento.
Quando estamos diante de um adolescente ou adulto que desconfiamos ter um comportamento de autolesão podemos nos utilizar de alguns truques nessa abordagem:
1) Escolher um ambiente tranquilo para conversar;
2) Ter uma abordagem compreensiva e acolhedora;
3) Não ter um discurso que transforme o comportamento em uma doença;
4) Evitar perguntas em excesso;
5) Conversar sobre qual o sentimento que a pessoa tem para ter aquele comportamento;
6) Perguntar o que acontece para que o indivíduo tenha aquele sentimento;
7) Deixar claro que está ali para ajudar e perguntar se a pessoa sabe alguma forma que você possa ajudar;
8) Não prometer segredo e esclarecer que precisará pedir ajuda a outra pessoa (profissional de saúde, contar aos pais...)
Também podemos oferecer algumas atividades simples ao adolescente naqueles momentos em que vem a vontade de se machucar, apesar dessas estratégias serem consideradas apenas provisórias: desenhar, pintar, escrever para desviar o foco, e/ou procurar alguém para conversar. Além disso, na abordagem de psicoeducação, podemos ensinar ao indivíduo a traçar um plano que consiste em:
1) Saber identificar os sinais físicos e emocionais de que não está bem;
2) Identificar o que faz bem e ajuda quando não está bem;
3) Aprender o que não faz bem e do que precisa se afastar (os gatilhos);
4) Saber o que deseja para o futuro e o que pode e deve fazer para chegar lá;
5) Escolher previamente as pessoas para quem pode ligar quando precisar.
Espero que tenha sido útil. Abaixo deixei uma das cartilhas que mais gosto. É prática e de fácil leitura. Qualquer coisa, pode entrar em contato comigo pelo chat do site ou por email.
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