Fiquei motivada a escrever esse texto quando assistia a um jogo de tênis e o comentarista fez uma brincadeira sobre quem apostou no azarão do jogo estar pontuando muito na bet, já que ele estava ganhando naquele momento. Aquilo me fez refletir sobre como as apostas online se infiltraram em nossa vida cotidiana, se tornando uma presença tão evidente que, apesar de tudo, seguimos achando que não é nada demais.
Eu não acredito, nem por um instante, que se as bets favorecessem mais o jogador do que a casa, esse seria um modelo de negócio viável. Se fosse o caso, as plataformas de apostas não estariam investindo tanto em publicidade e marketing. Mas por que será que, apesar disso, ainda assim apostamos?
Panorama Nacional
Nos últimos anos, o Brasil tem enfrentado uma nova epidemia que está destruindo famílias e corroendo a saúde mental de milhares de pessoas: o vício em jogos de aposta. Desde que as apostas esportivas online foram liberadas em 2018, o país se tornou um dos maiores consumidores dessas plataformas no mundo. Em 2022, superamos até o Reino Unido, liderando o ranking global de investimentos nesse setor.
Uma pesquisa recente do Datafolha revelou que 15% dos brasileiros já fizeram apostas online, com um gasto médio mensal de R$ 263. O fenômeno é especialmente comum entre homens jovens: 30% dos brasileiros entre 16 e 24 anos afirmam já ter apostado. Essa prática, que movimentou R$ 54 bilhões em 2023, vem se expandindo rapidamente, muitas vezes fora do controle e sem regulamentação adequada.
Entendendo o Transtorno de Jogo Patológico
Os jogos de aposta afetam o cérebro de maneira semelhante a drogas como o crack, ativando áreas relacionadas ao prazer e à recompensa, o que leva à dependência. O transtorno de jogo patológico é uma condição psiquiátrica grave, marcada pela perda de controle sobre o jogo, que persiste apesar das consequências negativas. Assim como outros tipos de vícios, como o abuso de substâncias, ele provoca um impacto profundo tanto no indivíduo quanto na sociedade. Aqueles que sofrem dessa condição frequentemente apresentam comorbidades como transtornos de humor, ansiedade, estresse pós-traumático e abuso de substâncias.
Para ser diagnosticado com transtorno de jogo patológico, de acordo com o DSM-5, a pessoa deve apresentar pelo menos quatro dos seguintes sintomas durante um período de 12 meses:
Necessidade de apostar quantias crescentes de dinheiro para alcançar a excitação desejada.
Sentir-se inquieto ou irritado ao tentar reduzir ou parar de jogar.
Esforços repetidos e malsucedidos para controlar ou parar o comportamento de jogo.
Preocupação constante com o jogo.
Sentimentos de desespero, culpa ou angústia durante as apostas.
Retorno ao jogo para tentar recuperar perdas financeiras.
Mentir para ocultar o envolvimento com o jogo.
Colocar em risco ou perder relacionamentos importantes, emprego ou oportunidades devido ao jogo.
Dependência de terceiros para obter dinheiro a fim de aliviar situações financeiras desesperadas causadas pelo jogo.
Diversos fatores aumentam o risco de desenvolver o transtorno de jogo patológico, entre eles:
Gênero masculino
Baixo nível socioeconômico
Falta de supervisão adequada na infância e adolescência
Conflitos familiares
Dificuldades escolares
Personalidades com alta extroversão ou impulsividade
Dificuldade em lidar com o estresse
Sintomas de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH)
Comorbidade com o uso de substâncias
Início precoce do contato com o jogo
Como Tratar o Transtorno de Jogo Patológico
O tratamento do transtorno de jogo patológico requer uma abordagem abrangente, que inclui psicoterapia, medicação, intervenções financeiras e educativas. A terapia cognitivo-comportamental é especialmente eficaz para ajudar os indivíduos a reconhecer e mudar os padrões de pensamento e comportamento que perpetuam o vício. Além disso, o apoio familiar é fundamental, pois o envolvimento da família pode melhorar significativamente os resultados do tratamento.
Apesar disso, menos de 10% dos indivíduos com transtorno de jogo patológico procuram ajuda especializada, o que torna o tratamento ainda mais desafiador. Conscientizar e educar as pessoas sobre os riscos associados ao jogo é crucial para evitar que mais pessoas sejam afetadas por essa condição devastadora.
Conclusão
Talvez a resposta para a minha pergunta no início não tenha sido respondida ao longo desse texto de forma clara, mas acho que, depois disso, chego à conclusão de que não há efetivamente uma motivação racional e evidente. O que fica claro para mim é que precisamos de regulamentações.
Embora as recentes regulamentações sejam um passo importante, elas ainda não são suficientes para enfrentar a crise de saúde pública que o vício em jogos de aposta representa. A dificuldade de autoregulação daqueles que já desenvolveram o transtorno de jogo patológico exige do Estado medidas de proteção robustas. É fundamental que o Brasil trate essa questão como prioridade, implementando políticas mais eficazes de prevenção e tratamento, além de uma fiscalização mais rigorosa do setor.
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